quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O 27° Dia

Hoje faz vinte e sete dias que meu Angelo Gabriel esta internado. Foram três dias em apartamento e dezenove dias na Uti do hospital Jardim Cuiabá e ha dois dias estamos na Uti do hospital Femina onde Anjo se recupera da cirurgia de gastrostomia realizada ontem (15).
O pequeno passa bem e se prepara para finalmente voltar pra casa. 
Será um longo e paciente trabalho de reabilitaçao, terapias, tudo do inicio, um recomeço. 
Retomar as atividades de fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e acompanhamentos com especialistas como de praxe.
As expectativas agora são de ficarmos um bom tempo longe de hospitais e porque não sendo um pouco mais otimista, uma viagem de férias? Rs..
O importante é que vencemos mais uma etapa! Deixo aqui nosso agradecimento pelos profissionais que se dedicaram no tratamento do nosso pequeno, dos familiares que nos ajudaram revezando conosco no hospital ou financeiramente, aos amigos pelas mensagens de encorajamento e apoio, pelas orações de todos que abraçaram nossa causa e ao meu Angelo Gabriel por não desistir.
Acima de tudo damos graças a Deus, toda honra e toda glória seja dada ao criador que nos permite cada dia cada vez um dia mais. 
Enquanto aguardamos nossa carta de "alforria" rs...deixo a imagem do meu Anjinho que olha tão apaixonadamente a luz do amanhecer!

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Os Pequenos Guerreiros


"Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam "
Salmos 23:4






Quando meu Angelo Gabriel nasceu e tão logo foi encaminhado a UTI, tantas eram as ligações e mensagens curiosas a respeito de seu nascimento, que resolvi descrever o fato no meu perfil do orkut que era a rede social mais acessada na época, o post começava com o título de  "O PEQUENO GUERREIRO".
Desde então Angelo passou a ser reconhecido como tal, devido a toda a sua história já em partes conhecida por todos que acompanham o blog, e sempre que recebo alguma mensagem carinhosa ou de apoio ainda assim é chamado de "Angelo Gabriel O pequeno guerreiro".
Contudo nesta longa jornada que frequentemente enfrentamos no ambiente hospitalar, mais precisamente na UTI aprendi que Angelo não é o único, e muitos são os guerreiros que enfrentam essa luta.
Assim como não sou a mais forte das mães, nem a mais dedicada, na verdade me sinto envergonhada quando me dizem isso, pois vi muitas mulheres mais fortes e que passaram por situações ainda mais difíceis das quais a minha poderia ser considerada quase nada.
Para se fazer entender vou relatar alguns dos fatos que vi, mas em respeito as pessoas que aqui mencionarei,manterei sigilo de seus nomes denominando-os apenas pelas letras iniciais.

O Pequeno Guerreiro "G"

Viver na UTI apos o nascimento do meu filho, era um fato novo o que despertava curiosidade sobre tudo o que la acontecia. Inevitavelmente queremos saber do que acontece com os demais, isso nos da uma sensação de alivio de não sermos únicos neste mar de incertezas. Entretanto a partir do momento em que temos o "saber" nos envolvemos diretamente com o problema do outro,  e o próximo passa a ser de fato "próximo"!

No  "Risco I " da UTI NEO  do HGU, raramente se via uma mãe ficar la mais tempo que as duas horas do horário de visita.
Porem assim como eu, algumas se dedicavam aos seus filhos em horário integral.
Uma delas era "D". Comecei a notar "D" quando as poucas vezes que se fazia silencio na UTI, entre sons de oxímetros  alarmes e conversas técnicas da equipe da enfermagem, se houvia uma voz fina e melódica ecoar por aquele ambiente tenso e assustador.
Era "D", uma jovem de 16 anos, sua mãe morava em Portugal, tinha irmãs na cidade, mas morava com o namorado de 18 anos  que era seu amigo de infância e pai de seu filho. 
D. ficava boa parte do dia cantando para seu pequeno "G", um bebê que tinha também uma síndrome rara, problemas respiratórios graves com prognostico incerto e sem expectativas.
Um dia enquanto estava no banco de leite, como costumava ir todas as manhãs as 9h e todas as tardes as 17h, encontrei "D" e ouvi sobre o nascimento de seu filho.
O banco de leite era um lugar onde mães que não estavam amamentando iam guardar seus leites para serem dados aos filhos internados que estavam sob uso de sonda, ou de mães que amamentando dispunham de muito leite e faziam a ordenha para doação para os prematuros e recém-nascidos internados.
D. era uma jovem muito falante e contava com os seios fartos de leite enquanto fazia a ordenha, que tivera seu filho em parto normal. Dizia orgulhosa de si mesma que ela quem escolhera assim. Falava das terríveis dores na hora do parto, falava do namorado que tinha o mesmo nome que ela ( e que também deram para o filho) e falava dos problemas que o filho tinha. Dizia sobretudo que não entregaria seu filho a morte, pois sofrera muito para tê-lo e que gostava de cantar para ele pois assim fizera durante a gestação e não queria que ele sentisse falta.
Assim sempre nos encontrávamos, tão logo comecei a visitar também sua incubadora (mesmo contra as normas da UTI) e encoraja-la, admirava sua força e a  de seu "Pequeno Guerreiro G".
Porém certo dia, enquanto fazia um aerosol em "G" o corpo do pequeno começou a inchar, D. foi se afastando da incubadora em choque e médicos e enfermeiros se punham sobre a criança nos expulsando da UTI para não atrapalharmos o atendimento.
D. começou a chorar desesperadamente enquanto tentava ligar para o namorado, eu tentava acalma-la junto com as outras mães que também foram postas pra fora, enquanto ela dizia em prantos para o namorado "vem logo, nosso filho esta morrendo!"
Passado um tempo, a medica residente veio nos dizer o que se passava. G. tinha um enfisema pulmonar, agravando seu estado.
Revoltada D dizia que ia matar a técnica de enfermagem que estava cuidando de seu filho, pois para ela o fato decorrera de uma "gambiarra" no equipamento de aerosol.
Passado este fato G foi transferido para o isolamento. D que morava muito longe, passou a ficar ainda mais tempo com seu  filho. 
Contudo eu observava que depois desse episodio a técnica qual D criticou, começou a falar mal dela, e assim as outras foram assumindo a mesma conduta. 
Quando D pedia algum auxilio, era ignorada muitas vezes, ou quando ela não estava la, G era mal cuidado, a raiva que tinham de D era descontada em seu pequeno. E na maioria das vezes só iam até seu leito para ressucitá-lo, ou nos horários de medicação, era completamente ignorado o fato dele precisar de mais atenção sobre sua saturação de oxigênio,ou troca de fraldas.
Eu e outras mães ficávamos perplexas com a situação,mas nada podíamos fazer se não as vezes dizer "a saturação de G esta caindo", ou dizer se ele tinha alguma coisa que podiamos indentificar pelo monitor que viamos pela vidraça.
Certo dia, (se não engano era Natal), quando entrei na UTI estava um silencio assustador. Quando olhei para o isolamento o leito estava vazio. O medo tomou conta de mim.
Logo que pude perguntei pra alguém o que tinha acontecido e assim soube: G. havia falecido.
Encontrei em seguida V. que ficava no isolamento ao lado, ela viera me contar o que acontecera de fato.
G. tivera infecção generalizada, levando-o a morte cerebral, de modo que D. fora chamada para que autorizasse o desligamento dos aparelhos que o mantinham "vivo".
D. fora sozinha para aquele momento, portanto a médica responsável pediu que V. ficasse ao lado de D. enquanto o procedimento era feito. V. abraçou a amiga que assistiu o filho partir com os olhos ainda abertos.
Hoje D. com seus 19 anos, se prepara para se formar como técnica de enfermagem. Faz trabalhos particulares, é cheia de vida e diz que seu amor por G. a fez entender que Deus fizera o melhor. Assim como eu, ela sabe como é dificil ver um filho sofrer e nada poder fazer. Ela ainda chora quando fala do filho, pensa em se especializar em neonatologia e pretende ser uma técnica melhor que as que cuidaram de seu pequeno G, seu Pequeno e eterno GUERREIRO!


O Pequeno Guerreiro "M".

V. viera de Rondônia para a dar a luz ao filho M, deixara em sua cidade a filha de 6 anos e o esposo.
M. no entanto nasceu com uma má formação no esôfago, que não chegara até o estomago. 
Deste modo M. passou por uma cirurgia para puxar o esôfago até o estômago, entretanto durante o procedimento uma "fístula tráqueo-esofágica" que se trata de um canal de comunicação, uma "anomalia" entre o esôfago e a traqueia, permitindo portanto que tudo o que fosse ingerido via oral por M. fosse para seu pulmão.
Com isso M. não podia ser amamentado, fora então passado uma sonda nasoenteral em  para que recebesse a dieta.
Porém, esse procedimento prejudicava o fechamento da fistula. M. então passara a receber dieta parenteral e soro.
V. que não tinha familiares na cidade, exceto uma tia que não gostava de recebe-la, passava dias e noites no hospital. La tomava seu banho, se alimentava e se mantinha financeiramente, com os tapetes e toalhas de crochê que fazia e vendia para a equipe da UTI.
Ela e seu pequeno ficavam num dos isolamentos. As vezes ela me mostrava as fotos de quando M. nasceu, de como era gordinho e como se parecia com sua filha.
Infelizmente o problema da fístole parecia nunca se resolver. E o processo de esperar fechar naturalmente, apenas agravou a situação pois M. precisava de uma gastrotomia, mas devido ao estresse de passar e retirar sonda, de puncionar veias ele foi perdendo peso e não conseguia recuperar.
O pequeno que tinha seu estado neurológico perfeito, foi crescendo e ganhou de presente um móbile musical, que fora colocado sobre seu leito contra as normas da uti de objetos não hospitalares.
Mas como ja se passara 3 meses e não havia prognostico de alta a equipe médica abria algumas excessões para V.
M. no entando pela perda de peso, começava a entrar em estado crítico. As vezes tinha melhora e se falava em alta hospitalar, mas na maioria das vezes as intercorrências eram emergenciais e mais frequentes.
Fora realizada dissecçoes de veia, as vezes por horas a equipe técnica tentavam puncioná-lo sem sucesso, ele passava na mão de todos da equipe que tentavam e também não conseguiam, as vezes técnicas choravam pois não aguentavam mais furar o pequeno, que ja não tinha mais voz de tanto chorar e apenas um sopro se ouvia de sua boca.
O cabelo de M, fora raspado para que sua cabeça também servisse de acesso para o soro e as medicações que alimentavam seu organismo.
E mesmo em meio a tanta dor, as vezes se podia ver aqueles braços esguios com tala, e equipo em acesso venoso, tentando alcançar os bichinhos que rodava sobre sua cabeça sob o som do mobile e quando o som parava ele resmungava e ao ser dado corda novamente, um lindo sorriso era esboçado no rosto do Pequeno Guerreiro.
As vezes eu encontrava V. chorando, que dizia que sua filha se recusava a falar com ela no telefone, e que perguntava "mãe, você não gosta mais de mim?" pelo fato dela não voltar pra casa.
Quando Angelo fora transferido para a UTI do Jardim Cuiabá e logo para casa em Home Care, eu não tive mais contato com V. mas perguntava dela para as enfermeiras que eu conversava pelo Orkut.
Eu torcia muito e orava para que M. fosse curado e que V. finalmente pudesse ir para casa descansar. Eu me angustiava em ve-la dormindo naquela cadeira e confinada em um espaço de pouco mais de 1 metro quadrado assistindo diariamente o sofrimento do filho.
Até que um dia mandei mensagem a enfermeira pedindo noticias de M. e recebi a seguinte mensagem:

"Adriana, M. faleceu ontem. Mas estava sofrendo muito, descansou!"

Fiquei em silêncio, não sabia o que dizer, não havia o que dizer. 
M. se foi aos 8 meses de vida, pesando 1kg, conheceu a irmã a avó e o pai, que hoje não vive mais com V. que sofrera a infidelidade do marido enquanto cuidava do filho na UTI.
V. finalmente voltou para sua casa. Hoje é graduada em letras e vive com a filha.
Não consigo mensurar seu sofrimento,não consigo mensurar sua força,só consigo dizer que é a mulher mais forte que ja conheci, que a admiro profundamente e que creio que Deus se orgulha muito dela.
Quanto ao Pequeno Guerreiro M. só consigo pensar que certamente Jesus viera busca-lo pessoalmente, levando-o em seus braços vendo-o sorrir levando-o para alcançar as estrelas do céu e o som da paz.



Muitos outros "PEQUENOS GUERREIROS" conheci, muitas outras mulheres valentes e destemidas. 
E fico feliz em saber que ainda existem pessoas "humanas" que amam o próximo como  a si próprio.

Infelizmente não sei como terminar este Post, não sei se existem palavras, deixo portanto meu silêncio... e respeito por todos os guerreiros que conheci!

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