sábado, 16 de abril de 2016

Era uma vez....


 "Todas as crianças crescem — menos uma. Elas logo descobrem que vão crescer,
e a maneira como Wendy descobriu isso foi a seguinte. Um dia, quando tinha dois anos,
ela estava brincando no jardim e, depois de colher mais uma flor, correu para junto de sua
mãe. Acho que devia estar linda, pois a sra. Darling levou a mão ao coração e exclamou:
"Ah, se você ficasse assim para sempre!". Foi tudo o que aconteceu entre elas com
relação a esse assunto, mas a partir daí Wendy soube que teria de crescer. A gente
sempre sabe, quando tem dois anos. Dois é o começo do fim" .
 (Barrie, J.M- Peter Pan e Wendy)



Toda bela estória infantil começa com um clássico "era uma vez"..
E então se desenrola o chamado "conto de fadas", onde meninos voam e nunca crescem como em Peter Pan, ou bonecos viram meninos de verdade como em Pinóquio, em que bestas se tornam príncipes como a Bela e a Fera, ou simples meninas se tornam princesas.
Mas o era uma vez de hoje, é a estória que ninguém contou.
Talvez as fadas não contem esses contos, ou talvez a missão seja demais para elas.

Então Vamos lá...

Conto 1- Quando?

Era uma vez a história (sim com H mesmo, pois é verdade verdadeira) de um menino que tinha uma doença chamada Amiotrofia Muscular Espinhal (AME), uma doença degenerativa do sistema nervoso central que prejudica o desenvolvimento motor,  a musculatura,  a capacidade de engolir alimentos e a fala. Sendo assim, ele se alimentava por sonda e usava um aparelho para respirar, não andava, não sentava sozinho e falava com dificuldade.
Para tudo precisava de cuidados intensos de sua mãe e das tias enfermeiras que cuidavam dele 24 horas por dia, 7 dias por semana, desde que ele se lembra (mas era mesmo antes dele lembrar).
Era um menino muito inteligente, como um gênio, belo como um anjo em uma pintura emoldurada, e  tão levado como qualquer garoto de sua idade: 7 anos. 
Dentro de seu mundo limitado (o quarto) estudava, fazia fisioterapia, fonoterapia, terapia ocupacional, recebia médicos, enfermeiros, amigos e brincava com seus irmãos de 5 anos de idade (gêmeos) que subiam na cama, puxavam seus tubos, pegavam seu computador e o deixava muito bravo com a bagunça que faziam.
As vezes seus irmãos iam nas festas da escola, ou nas festas de aniversários dos coleguinhas do condomínio onde ele morava. As vezes, ele ia junto, mas as vezes ele não podia ir. Pois a sua mãe ficava muito preocupada com sua saúde, ele podia passar mal e precisar ser aspirado ou de oxigênio.
Mesmo não indo, no seu mundo imaginário a partir das coisas que seus irmãos diziam, ele jurava que tinha ido a festa, contava como foi, o que tinha acontecido e como foi tão divertido (mesmo ele não tendo arredado os pesinhos frágeis de seu quarto).
Porém, certo dia ao ver seus irmãos correndo para lá e para cá, lhe ocorreu uma grande dúvida.
Cheio de ansiedade e fazendo planos (como os tinha!); Pensando nas muitas festas, ele se virou para sua mãe e perguntou ansioso e cheio de esperança:

_ Mãe! quando vou andar?


Conto 2 - Pipoca!


Era uma vez uma garotinha muito linda, já com 5 anos de idade, mas ainda com um rosto tão harmonioso que mais parecia um bebezinho. 
Seus lábios rosados, unhas caprichosamente pintadas , seu óculos de armação cor-de-rosa, revelavam a doçura de ser menina.
Ela ia a escola todos os dias mas tinha também aulas em casa com uma professora particular, tinha fisioterapia, fonoterapia, terapia ocupacional e aos domingos ia na igreja, pois era dia de catequese.
Nas horas vagas e tempo livre passeava com a mãe o pai e o irmão mais velho (que também era criança ainda). Iam ao cinema, ao shopping e também na piscina da vovó.
Mesmo fazendo tudo isso, ela era portadora de AME. Mas mesmo com seus movimentos limitados, sem falar e sem poder comer, podia ir e vir de todos os lugares em sua cadeira de rodas moderna (mais parecida com um super carrinho de bebê). Sua mamãe determinada não a deixava perder nenhum detalhe, tudo lhe era possível com um pouquinho de força de vontade.
Ate que um dia enquanto seu irmão brincava no seu quarto, ela percebeu que ele fazia algo que ela queria muito fazer, mas que não podia.
Seu irmão estava comendo pipoca.
Ela queria muito comer. 
A questão é que ela não sabia comer e por isso, se alimentava de um leite especial que ia de uma garrafinha suspensa por uma sonda direto para a barriguinha dela. Sequer passava por sua boquinha.
Seu irmão tentou explicar que ela não podia, sua mãe também tentou, sua enfermeira também. Mas ela estava inconsolável. Queria muito comer pipoca!
Então a tia nutricionista lhe visitou, e a mamãe contou a ela o desejo da menina.
A tia nutricionista resolveu tudo. Disse que ela podia sim comer a pipoca, bastava apenas colocar em sua garrafinha. Que ela podia comer o que quizesse, desde que colocado na garrafinha.
A pequena ficou tão contente, tão contente com a notícia, que seus batimentos cardíacos foram la encima, seu coraçãozinho batia tão rápido quanto uma locomotiva, e seu corpinho ficava todo pintadinho de vermelho demonstrando a gratidão por essa permissão.

Conto III - Crescer!

Era uma vez um garoto muito esperto, que gostava de super heróis como Bem 10, Homem Aranha, Capitão América e Homem de Ferro.
Com 10 anos de idade ele ja sabia conversar na internet, via seus amigos no facebook, postava fotos, mandava mensagens, era um exímio internauta.
Este sagaz rapazinho, tinha uma doença generativa, que atrofiava seus membros, fazendo-o perder os movimentos. 
Ele sempre recebia visita de muitos amigos e muitas tias. Certo dia uma delas cantarolava para ele:
"havia um homenzinho torto, morava numa casa torta, andava num caminho torto, sua vida era torta"
Era uma musica muito divertida, contudo, o coração desse garotinho se entristecia ao ouvir essa música. Ate que um dia uma das enfermeiras que cuidava dele, disse que quando ele crescesse tudo seria diferente. Ele então prontamente respondeu que não queria crescer nunca, e ela perguntou intrigada: porquê?
E ele então explicou que não queria ser um homenzinho torto.



 Essas historias são verídicas, e aconteceram com crianças portadoras de doenças crônicas degenerativas que hoje são pacientes de home care. 

Convido você a pensar e rever os seus conceitos. 

As pessoas com deficiência também sonham, também vivem seus próprios contos de fadas. E em seus contos, não desejam voar, não desejam super poderes, querem apenas caminhar, comer ou serem perfeitos (sem deformidades em sua anatomia).

Que você possa compreender estas necessidades, de tal forma que se tornam sonhos. De tal forma que as respeite, que não faça piadas, que não seja "só uma brincadeira", nem pena, apenas digno de ser vivido.

 "Eu chorava por não ter sapatos, ate que um dia encontrei um homem que não tinha pés". (autor desconhecido)