quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Vamos falar de Preconceito ! #parte2 : MEU FILHO É CADEIRANTE!



O conflito de realidade e utopia que os pais especiais vivenciam são muitos, desde o nascimento e se estendem ao longo da vida de seus filhos. Um dos grandes conflitos que enfrentei foi ouvir: ele precisa de uma cadeira de rodas.
Foi para mim um choque, admito!
Não desceu! Me senti ofendida, incomodada e não sabia o que dizer sobre isso. E também demorei muito a aceitar.

Lembro-me de um caso de uma mãe que garantiu “cadeira de rodas na minha casa não entra” e mandou adaptar o carrinho do filho. Na época tínhamos a mesma fonoaudióloga, que me trouxe uma foto do carrinho da criança, porque obviamente eu também queria fazer o mesmo.

Meu filho tinha um carrinho que ganhou quando nasceu, era lindo, azul, tinha uma bela capota, porta copo, tinha três posições confortáveis, era quase um berço portátil. Mas conforme ele foi crescendo foi ficando inadequado, pois ao mesmo tempo que ele não conseguia se sentar pois não tinha controle de tronco,  o carrinho já não o comportava deitado.

Comecei a procurar marcas de carrinhos diferentes e designers diferente. Um dia comentei com minha irmã mais velha que estava na hora de trocar o carrinho dele, e ela me disse: Ele precisa de uma cadeira.

Franzi o cenho. Fiquei pensativa enquanto ela repetia que ele já estava grande para carrinho.

Esperei, respirei fundo e busquei todos os argumentos possíveis pra comprovar minha teoria.

Enfim, ele ganhou um carrinho novo de designer mais despojado e que serviu por tempo o suficiente ate acontecer a mesma coisa que com o anterior.  Era para uma criança sentar-se, não acomodava-o deitado.

Nesse meio tempo vieram varias internações, enquanto isso acontecia, a avó paterna do Angelo, havia encontrado um amigo que trabalhava no CRIDAC (CENTRO DE REABILITAÇÃO DOM AQUINO CORREA) e a orientou sobre os procedimentos para conseguir tratamento, terapias e equipamentos de reabilitação. No caso mais especificamente, orientou em como ela conseguir uma cadeira de rodas. Ela juntou documentos, fotos, e nos orientou. O pai do Angelo foi atrás e deu entrada em tudo. As fisioterapeutas da UTI onde o Anjo estava, se dispuseram a tirar medidas conforme a ficha do CRIDAC.

Angelo já estava com quase três anos quando sua primeira cadeira de rodas chegou.

Esse nome “cadeira de rodas” era perturbador aos meus ouvidos. E me doía pensar nessa possibilidade ate que ela chegou: novinha, toda plastificada cuidadosamente, com manual para montagem.

Para minha surpresa e também do pai do Angelo, ficamos encantados!

Sim..essa é a palavra: encantados!

Era linda, vermelha, toda pequenininha porém ideal ao seu tamanho, com engrenagens, adaptada com todo conforto que ele precisava, regulável e ajustável as suas necessidades, de fácil montagem (tanto quanto de um carrinho de bebê), fácil de transportar, enfim: era perfeita para nosso filho!

De “não quero isso jamais” passei para “não vejo a hora de vê-lo usando”.

E essa é a primeira dica para vencer seu preconceito: entenda a necessidade do seu filho!

Quando percebi que ao aceitar que ele era cadeirante, e ao proporcionar a cadeira de rodas para ele, eu estava lhe dando qualidade de vida, possibilidade de locomoção com maior conforto e comodidade, passei a ver com outros olhos e também a ter um transtorno a menos. Foi então que notei que a cadeira de rodas era tão normal quanto um óculos por exemplo, eu não tinha que me incomodar com isso.

Ele usou a cadeira ate os seus 5 aninhos, tão logo já não atendia mais as suas necessidades e precisamos buscar novos recursos.

Depois que enfrentei o fato de ter um filho cadeirante, foi mais fácil aceitar quando ele também deixou de usar a banheira de bebê e passou a usar a cadeira de banho. Foi natural e também fiquei apaixonada pelo presente dado pelo meu pai ao neto.

Isso foi um processo, vários foram os momentos em que tive que me ver substituindo objetos de rotina de uma criança “normal” para os de uma criança especial. Trocamos berço por cama hospitalar, sapatos por órteses, mamadeiras por frascos e equipos entre tantas outras coisas que vão entrando em nossa rotina continuamente e assim vamos nos adaptando.


Passei a estar sempre antenada em equipamentos e coisas que pudessem auxiliar a rotina do meu filho, o contato com outras mães especiais também me auxiliou muito. Passei a viver o universo do qual eu realmente pertencia: mãe de um portador de necessidades especiais!


Desde então minha vida se tornou mais fácil, satisfatória e sem duvidas a do Angelo também. Pois assim, parei de exigir tanto dele e passei a proporcionar o que ele de fato precisava com qualidade.

Quando não entendemos essa realidade, queremos encher as crianças de terapias, cobramos demasiadamente os profissionais que os atendem, porque não queremos resultados coerentes a realidade de nossos filhos, queremos resultados coerentes aos nossos sonhos, que são em muitas vezes surreais. E deste modo, colecionamos frustrações.

Seu filho não vai andar se tiver fisioterapia todo dia 2 ou 3x, nem falar e comer se tiver fonoterapia todos os dias. A reabilitação é um processo lento, doloroso, exaustivo e há muitos outros fatores envolvidos como a imunidade e diversas doenças que os afligem desde uma gripe a uma pneumonia. Tudo isso prejudica o processo de evolução. 

Percebi que o melhor para o Angelo não era andar, comer e falar, mas sim estar bem , saudável e sem dor, dormir bem, estar nutrido, e confortável, se tornaram as melhores alternativas de tratamento.

É claro que as terapias são necessárias e contribuem em muito para o bem estar de nossos filhos, mas se forem mal administradas, demasiadas, passam a prejudica-los ao invés de reabilitados.

Sei caso de crianças em home care que fazem tanta terapia, que penso quão cansadas ficam de ter gente mexendo com elas o tempo todo. Entendo a importância de tratamentos para que retardem ou evitem a progressão da doença que os aflige, mas não podemos esquecer que são crianças, precisam de tempo livre. Força-los a resultados que seu corpo não pode lhes dar, é TORTURA.

Mas continuando,

Por último quero falar de algo que parece banal mas que certamente me aterrorizava igual as outras peculiaridades do meu filho. Deixar de comprar fraldas de bebê e passar a comprar fraldas juvenil.

Sabe aquelas fraldas geriátricas ¿ pois bem..essas, só que em tamanho juvenil.

Parece bobagem não é mesmo¿ mas ver meu filho deixar de usar fraldas de bebê, era também aceitar que ele era um garoto de fraldas, um garoto que outros de sua idade estão jogando futebol e vâo ao banheiro sozinhos, na pior das hipóteses devem berrar as mães no banheiro para limpá-los. Foi mais um balde de água fria: meu filho não é mais um bebê, mas ainda continuará usando fraldas.

Era uma grande verdade. A fralda infantil não segurava mais, molhava a cama, e ainda apertava a pele dele de modo a deixar marcas. Inicialmente achei que fosse por causa do inchaço causado pela infecção (pois ele estava internado), achava que depois voltaria ao normal, mas resolvi fazer um teste, e percebi quão mais confortável ele se sentia com fralda juvenil e não, não era por causa do inchaço, meu filho estava mesmo crescendo!

No começo é bem estranho, comprar aquelas fraldas enormes, gigantes, mas agora já entro na farmácia e compro com a mesma naturalidade que compraria outra qualquer.

É curioso, pois devido as suas peculiaridades, e a dependência que possuem de nós, enxergamos eles como bebês. Eu só percebia quão grandinho o Angelo estava, quando outras crianças de menor idade estavam perto dele.

Angelo tem dois primos menores: o Gio e o Thom. O Gio esta agora com quase 3 anos enquanto o Thom, está beirando os 2.

Certa vez em uma visita da minha irmã com meu sobrinho Giovani ao colocá-lo perto do Anjo, minha irmã disse: Cuidado mana, ele vai machucar o Anjo!

Aquilo soou deveras estranho pra mim. Ora, o Anjo é o maior, não deveríamos nos preocupar com o contrário¿

Aquilo me intrigou, pensei muito sobre. Aquela frase simples, gerou uma grande perturbação na minha alma. Mais uma vez eu estava sendo confrontada pela realidade e precisava quebrar meus paradigmas.

Mais uma vez eu não estava sendo coerente a realidade, não estava compreendendo que embora o Anjo fosse o maior dentre as crianças, era deles o mais frágil, o mais prematuro, mesmo sendo dentre eles o mais velho era certamente o mais bebê.

Eu conseguia vê-lo bebê quando estava sozinho, mas quando as crianças estavam próximas eu queria que ele fosse o garoto de 6 anos que ele é, e queria que fosse o mais velho e o mais desenvolvido entre eles.

No inicio eu não sabia administrar muito bem isso, mas com o tempo e com a convivência dos primos e o Anjo, fui aprendendo a dominar a situação. E foi muito bom essa oportunidade de inclusão.


A inclusão começa dentro de nossas casas, nossos lares, entre nossos familiares e acima de tudo dentro de nós. Ela não parte de fora pra dentro, mas de dentro pra fora.

Não podemos cobrar que os lugares, as pessoas, estejam prontas a aceitar as diferenças de nossos filhos, se nós mesmos ainda não estamos prontos para isso.

Como disse em outro momento, estamos sempre em evolução, e enfrentar o preconceito requer construir e desconstruir conceitos errôneos enraizados em nós. Não posso dizer que estou de um todo curada, mas posso dizer que estou conseguindo aprender e evoluir cada vez mais.

Hoje é o dia Nacional da Luta das pessoas com Deficiência, por esse motivo resolvi escrever esse post e relatar como é vencer os preconceitos mais íntimos que temos.

Mudei a capa do blog em homenagem a essa luta que é minha e de tantas outras pessoas, famílias, mães e pais, que querem vencer o preconceito e viver com dignidade.

Espero que você que esta lendo, possa ter aprendido algo conosco, e leve adiante essa mensagem. PRECONCEITO NÃO!



“Há diferentes tipos de dons, mas o Espírito é o mesmo.
Há diferentes tipos de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.
Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo em todos.”
1 Coríntios 12:4-6

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Vamos falar de Preconceito! #parte 1


Esta na hora de falar sobre como é ter um filho portador de necessidades especiais.
Quero hoje  relatar meu sentimento de mãe e meu olhar sobre outras mães que lidam com a “maternidade especial”.  Afinal, vai muito além de um diagnóstico ou de um prognóstico.
Ser mãe especial requer mais do que amor, requer aceitação, quebrar paradigmas, desconstruir e reconstruir conceitos e acima de tudo vencer o PRECONCEITO.
Simm...preconceito sim senhor!
Não sabemos o quanto somos preconceituosos, ate que somos “a bola da vez”. Como me disse um amigo uma vez sobre ser homossexual, todo mundo diz que aceita ate acontecer no seu quintal.
Mas, vamos lá..

COM MEU FILHO NÃO!


Conheço muitas mães que não aceitam a condição de seus filhos, nem por isso amam menos que as outras, apenas não conseguem lidar com a deficiência.
Muito mais do que a questão estética, é lidar com a impossibilidade dos filhos realizarem tarefas. E não estamos falando de correr, soltar pipa, ler, escrever, estamos falando em tarefas instintivas, como mamar no peito, sustentar a própria cabeça e funções orgânicas que o corpo não consegue desempenhar com eficácia como fazer xixi e engolir a própria saliva, por exemplo.
É difícil compreender e muita gente diz: se amasse seria incondicional! Mas não é bem assim.
É muito fácil dizer como o outro deve se comportar, dizer o que ele deve sentir, como deve reagir a uma situação que você não vivencia, so entende no campo do “achismo”.
Lidar com deficiências é se frustrar, é ver planos que não serão concretizados.
É não ter chance de amamentar, de não dar festas de aniversário, é viajar sem o filho, é não poder passear com o filho no shopping pra tirar foto com papai noel, é não passar uma tarde na piscina com o filho, é ve-lo usar fraldas já tendo barba no rosto, é viver na eminencia de uma perda por uma gripe qualquer, não poder ve-lo sequer apreciar um banho de chuva.
Se você não sabe o que é viver com nenhum desses sentimentos, então você não pode e não deve julgar o sentimento de pais especiais.
 
Vi outro dia no face de uma mãe, uma foto de uma criança com os seguintes dizeres “quando você tem um filho, você deseja que ele seja médico, advogado ou jogador de futebol, quando você tem um filho especial seu desejo é que ele fique ao seu lado para sempre”.
Essa frase resume bem os sentimentos dos pais de filhos especiais.
Lembro-me bem quando Angelo nasceu e usou uma sonda oral pra se alimentar, pois foi diagnosticado com incapacidade de sucção e deglutição, em outras palavras: sugar o peito e engolir o leite.
Era algo muito novo pra mim, mas eu não entendia a possibilidade de isso não acontecer, eu só entendia que ele ia demorar, mas ia aprender.
Um dia a enfermeira me disse que se ele não conseguisse teria que fazer a gastro.
Gastro? Que?
Eu nem de longe sabia do que ela estava falando, mas pensei que fosse alguma cirurgia que fosse capacitar meu filho para isso. Não me atentei a perguntar, pois parecia confortável acreditar na minha “hipótese”.
A fono me ensinou alguns exercícios e por passar muito tempo na UTI, eu estava lá fazendo os exercícios a cada mamada. E com o tempo ele foi desenvolvendo. Não conseguiu e nem quis pegar o seio, em todas as tentativas que fiz ele fazia cara de nojo, mas aceitou maravilhosamente bem a mamadeira, e então saiu da sonda. E UHul..conseguimos!
O tempo passou, depois de um ano aproximadamente, ele começou a perder peso e a adoecer. Isso fora causado pelas repetidas pneumonias! Foi quando recebemos a noticia de que ele voltaria a usar sonda nasoenteral e possivelmente faria uma gastrostomia .
Nesse momento eu já sabia do que se tratava. Já conhecia outras crianças que usavam a gastro pra se alimentar. Por ter a home care, ouvia falar dos outros pacientes pelos profissionais que atendiam o Anjo e também tinha uma amiga virtual cujo a netinha tinha a gastro. Era algo que parecia natural para mim quando eu falava com os outros, mas quando isso veio a ser uma possibilidade para o meu filho, foi assustador.
É curioso quando falamos em preconceito, pois existem a meu ver, duas facetas: Aquela em que temos preconceito do outro, e aquela em que aceitamos o outro mas com a gente não.
Eu estava enfrentando essa fase, não tinha a menor dificuldade em lidar com outras crianças especiais, não tinha nojo (por conta de salivação), não olhava com diferença, mas quando a mudança acontecia no meu filho, porque era tão difícil aceitar?
Certa vez na UTI, uma mãe surpreendida pela noticia de que seu filho faria uma cirurgia de  gastrostomia e traqueostomia, foi embora e sequer acompanhou o procedimento. Posteriormente me recordo de seus dizeres para algumas técnicas de enfermagem: “Se Deus fez eu e você perfeitos, não aceito que meu filho seja assim”.
 
 
Na home care já ouvi dizer de famílias que não entram no quarto da criança, ou que o filho não era bem vindo a mesa na hora da refeição porque babava demais, já ouvi ate de casos em que quando a criança foi a óbito a família não permitiu o velório por vergonha. Parece absurdo, mas acontece, e antes de proferir qualquer pensamento ou julgamento sobre isso lembre-se de que é mais fácil apontar os outros que estar no lugar deles.
Lembro-me quando o medico do Angelo nos disse que ele voltaria a usar a sonda e o pai do Anjo não conseguiu esconder a frustração e chorou na frente do médico, era pra nós uma noticia devastadora, um retrocesso. Parece bobagem, mas fazemos planos, sonhos, amamos o filho como ele é, mas acreditamos piamente na cura, por mais impossível que ela possa parecer.
Vivemos esse momento e o enfrentamos. Quando então dois anos depois, o Angelo precisou da traqueostomia. Na ocasião já não foi tão difícil de entender. Era uma necessidade evidente, principalmente depois de assistir a um procedimento de entubação feito com ele, entendi rapidamente que ele precisava de uma traqueostomia e se libertar daquele sofrimento.
Muitas mães escondem o filho, pais que sequer os pegam no colo, têm medo. Demorei a entender que não é falta de amor, mas sim preconceito.
O preconceito esta impregnado em nós quando condicionados a mesmice, quando não saímos da zona de conforto e nos condicionamos a partes e não ao todo. Temos que ver o mundo como ele é e não o que queremos ver.
No próximo post, vamos falar sobre como vencer esses obstáculos impostos pelo preconceito e em como transformar as limitações em pontos positivos.