O conflito de realidade e utopia que os pais especiais
vivenciam são muitos, desde o nascimento e se estendem ao longo da vida de seus
filhos. Um dos grandes conflitos que enfrentei foi ouvir: ele precisa de uma
cadeira de rodas.
Foi para mim um choque, admito!
Não desceu! Me senti ofendida, incomodada e não sabia o que
dizer sobre isso. E também demorei muito a aceitar.
Lembro-me de um caso de uma mãe que garantiu “cadeira de
rodas na minha casa não entra” e mandou adaptar o carrinho do filho. Na época
tínhamos a mesma fonoaudióloga, que me trouxe uma foto do carrinho da criança,
porque obviamente eu também queria fazer o mesmo.
Meu filho tinha um carrinho que ganhou quando nasceu, era
lindo, azul, tinha uma bela capota, porta copo, tinha três posições confortáveis,
era quase um berço portátil. Mas conforme ele foi crescendo foi ficando
inadequado, pois ao mesmo tempo que ele não conseguia se sentar pois não tinha
controle de tronco, o carrinho já não o
comportava deitado.
Comecei a procurar marcas de carrinhos diferentes e
designers diferente. Um dia comentei com minha irmã mais velha que estava na
hora de trocar o carrinho dele, e ela me disse: Ele precisa de uma cadeira.
Franzi o cenho. Fiquei pensativa enquanto ela repetia que
ele já estava grande para carrinho.
Esperei, respirei fundo e busquei todos os argumentos
possíveis pra comprovar minha teoria.
Enfim, ele ganhou um carrinho novo de designer mais
despojado e que serviu por tempo o suficiente ate acontecer a mesma coisa que com
o anterior. Era para uma criança
sentar-se, não acomodava-o deitado.
Nesse meio tempo vieram varias internações, enquanto isso
acontecia, a avó paterna do Angelo, havia encontrado um amigo que trabalhava no
CRIDAC (CENTRO DE REABILITAÇÃO DOM AQUINO CORREA) e a orientou sobre os
procedimentos para conseguir tratamento, terapias e equipamentos de
reabilitação. No caso mais especificamente, orientou em como ela conseguir uma
cadeira de rodas. Ela juntou documentos, fotos, e nos orientou. O pai do Angelo
foi atrás e deu entrada em tudo. As fisioterapeutas da UTI onde o Anjo estava,
se dispuseram a tirar medidas conforme a ficha do CRIDAC.
Angelo já estava com quase três anos quando sua primeira
cadeira de rodas chegou.
Esse nome “cadeira de rodas” era perturbador aos meus
ouvidos. E me doía pensar nessa possibilidade ate que ela chegou: novinha, toda
plastificada cuidadosamente, com manual para montagem.
Para minha surpresa e também do pai do Angelo, ficamos
encantados!
Sim..essa é a palavra: encantados!
Era linda, vermelha, toda pequenininha porém ideal ao seu
tamanho, com engrenagens, adaptada com todo conforto que ele precisava,
regulável e ajustável as suas necessidades, de fácil montagem (tanto quanto de
um carrinho de bebê), fácil de transportar, enfim: era perfeita para nosso
filho!
De “não quero isso jamais” passei para “não vejo a hora de
vê-lo usando”.
E essa é a primeira dica para vencer seu preconceito: entenda
a necessidade do seu filho!
Quando percebi que ao aceitar que ele era cadeirante, e ao proporcionar
a cadeira de rodas para ele, eu estava lhe dando qualidade de vida,
possibilidade de locomoção com maior conforto e comodidade, passei a ver com
outros olhos e também a ter um transtorno a menos. Foi então que notei que a
cadeira de rodas era tão normal quanto um óculos por exemplo, eu não tinha que
me incomodar com isso.
Ele usou a cadeira ate os seus 5 aninhos, tão logo já não
atendia mais as suas necessidades e precisamos buscar novos recursos.
Depois que enfrentei o fato de ter um filho cadeirante, foi
mais fácil aceitar quando ele também deixou de usar a banheira de bebê e passou
a usar a cadeira de banho. Foi natural e também fiquei apaixonada pelo presente
dado pelo meu pai ao neto.
Isso foi um processo, vários foram os momentos em que tive
que me ver substituindo objetos de rotina de uma criança “normal” para os de
uma criança especial. Trocamos berço por cama hospitalar, sapatos por órteses,
mamadeiras por frascos e equipos entre tantas outras coisas que vão entrando em
nossa rotina continuamente e assim vamos nos adaptando.
Passei a estar sempre antenada em equipamentos e coisas que
pudessem auxiliar a rotina do meu filho, o contato com outras mães especiais
também me auxiliou muito. Passei a viver o universo do qual eu realmente pertencia:
mãe de um portador de necessidades especiais!
Desde então minha vida se tornou mais fácil, satisfatória e sem duvidas a do Angelo também. Pois assim, parei de exigir tanto dele e passei a proporcionar o que ele de fato precisava com qualidade.
Quando não entendemos essa realidade, queremos encher as
crianças de terapias, cobramos demasiadamente os profissionais que os atendem,
porque não queremos resultados coerentes a realidade de nossos filhos, queremos
resultados coerentes aos nossos sonhos, que são em muitas vezes surreais. E
deste modo, colecionamos frustrações.
Seu filho não vai andar se tiver fisioterapia todo dia 2 ou
3x, nem falar e comer se tiver fonoterapia todos os dias. A reabilitação é um
processo lento, doloroso, exaustivo e há muitos outros fatores envolvidos como
a imunidade e diversas doenças que os afligem desde uma gripe a uma pneumonia.
Tudo isso prejudica o processo de evolução.
Percebi que o melhor para o Angelo não era andar, comer e
falar, mas sim estar bem , saudável e sem dor, dormir bem, estar nutrido, e
confortável, se tornaram as melhores alternativas de tratamento.
É claro que as terapias são necessárias e contribuem em
muito para o bem estar de nossos filhos, mas se forem mal administradas,
demasiadas, passam a prejudica-los ao invés de reabilitados.
Sei caso de crianças em home care que fazem tanta terapia,
que penso quão cansadas ficam de ter gente mexendo com elas o tempo todo.
Entendo a importância de tratamentos para que retardem ou evitem a progressão
da doença que os aflige, mas não podemos esquecer que são crianças, precisam de
tempo livre. Força-los a resultados que seu corpo não pode lhes dar, é TORTURA.
Mas continuando,
Por último quero falar de algo que parece banal mas que
certamente me aterrorizava igual as outras peculiaridades do meu filho. Deixar
de comprar fraldas de bebê e passar a comprar fraldas juvenil.
Sabe aquelas fraldas geriátricas ¿ pois bem..essas, só que
em tamanho juvenil.
Parece bobagem não é mesmo¿ mas ver meu filho deixar de usar
fraldas de bebê, era também aceitar que ele era um garoto de fraldas, um garoto
que outros de sua idade estão jogando futebol e vâo ao banheiro sozinhos, na
pior das hipóteses devem berrar as mães no banheiro para limpá-los. Foi mais um
balde de água fria: meu filho não é mais um bebê, mas ainda continuará usando
fraldas.
Era uma grande verdade. A fralda infantil não segurava mais,
molhava a cama, e ainda apertava a pele dele de modo a deixar marcas.
Inicialmente achei que fosse por causa do inchaço causado pela infecção (pois
ele estava internado), achava que depois voltaria ao normal, mas resolvi fazer
um teste, e percebi quão mais confortável ele se sentia com fralda juvenil e
não, não era por causa do inchaço, meu filho estava mesmo crescendo!
No começo é bem estranho, comprar aquelas fraldas enormes,
gigantes, mas agora já entro na farmácia e compro com a mesma naturalidade que
compraria outra qualquer.
É curioso, pois devido as suas peculiaridades, e a dependência
que possuem de nós, enxergamos eles como bebês. Eu só percebia quão grandinho o
Angelo estava, quando outras crianças de menor idade estavam perto dele.
Angelo tem dois primos menores: o Gio e o Thom. O Gio esta
agora com quase 3 anos enquanto o Thom, está beirando os 2.
Certa vez em uma visita da minha irmã com meu sobrinho
Giovani ao colocá-lo perto do Anjo, minha irmã disse: Cuidado mana, ele vai
machucar o Anjo!
Aquilo soou deveras estranho pra mim. Ora, o Anjo é o maior,
não deveríamos nos preocupar com o contrário¿
Aquilo me intrigou, pensei muito sobre. Aquela frase
simples, gerou uma grande perturbação na minha alma. Mais uma vez eu estava
sendo confrontada pela realidade e precisava quebrar meus paradigmas.
Mais uma vez eu não estava sendo coerente a realidade, não
estava compreendendo que embora o Anjo fosse o maior dentre as crianças, era
deles o mais frágil, o mais prematuro, mesmo sendo dentre eles o mais velho era
certamente o mais bebê.
Eu conseguia vê-lo bebê quando estava sozinho, mas quando as
crianças estavam próximas eu queria que ele fosse o garoto de 6 anos que ele é,
e queria que fosse o mais velho e o mais desenvolvido entre eles.
No inicio eu não sabia administrar muito bem isso, mas com o
tempo e com a convivência dos primos e o Anjo, fui aprendendo a dominar a
situação. E foi muito bom essa oportunidade de inclusão.
A inclusão começa dentro de nossas casas, nossos lares,
entre nossos familiares e acima de tudo dentro de nós. Ela não parte de fora
pra dentro, mas de dentro pra fora.
Não podemos cobrar que os lugares, as pessoas, estejam
prontas a aceitar as diferenças de nossos filhos, se nós mesmos ainda não
estamos prontos para isso.
Como disse em outro momento, estamos sempre em evolução, e
enfrentar o preconceito requer construir e desconstruir conceitos errôneos
enraizados em nós. Não posso dizer que estou de um todo curada, mas posso dizer
que estou conseguindo aprender e evoluir cada vez mais.
Hoje é o dia Nacional da Luta das pessoas com Deficiência,
por esse motivo resolvi escrever esse post e relatar como é vencer os
preconceitos mais íntimos que temos.
Mudei a capa do blog em homenagem a essa luta que é minha e de
tantas outras pessoas, famílias, mães e pais, que querem vencer o preconceito e
viver com dignidade.
Espero que você que esta lendo, possa ter aprendido algo
conosco, e leve adiante essa mensagem. PRECONCEITO NÃO!
“Há
diferentes tipos de dons, mas o Espírito é o mesmo.
Há diferentes tipos de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.
Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo em todos.”
1 Coríntios 12:4-6
Há diferentes tipos de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.
Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo em todos.”
1 Coríntios 12:4-6